Não será uma estória, nem história. É o recorte de uma viagem. O detalhe na vida de tantos. Um pormenor comum nas várias narrativas de migração. Uma ideia para a integração. Um passo. Um gesto. Inadvertidamente repetidos numa língua que não se traduz, dá-se a ver no não-lugar do teatro. Através de um corpo ampli(fic)ado por sons que os gestos escondem, por não lhes restar força audível, são evocados desenhos de fugas sem mapas por onde o Homem passou, prolongado em sombras que a sua silhueta encobre.

Emigrantes, integra-se num projeto de mediação intercultural ativado por dinâmicas artísticas, promovido pelo Teatro Manga para pensar os processos de adaptação e de integração das comunidades migrantes em parceria com instituições de apoio a estas, como a Lisbon Project (https://lisbonproject.org/).

O seu processo de criação envolveu a participação de cinco imigrantes a residir na região de Lisboa. E, contou com a participação de outros convidados de origens diversas (México, Itália, Bulgária, Iraque, Nigéria, Índia, Brasil, Colômbia, Portugal e Espanha) que tornaram mais rica a fase de investigação e exploração dramatúrgica inspirada nos detalhes da narrativa gráfica “Emigrantes”/”The Arrival” de Shaun Tan (https://www.kalandraka.com/pub/media/productattach/Emigrantes-PT_01.pdf).

Das palavras de todas as pessoas envolvidas nasceram gestos e movimentos cenicamente detalhados. O resto traduziu-se em ação silenciosa e evocativa, resultando num espetáculo suportado pelo rigor das intérpretes e pela forma poética com que a coreografia encadeia os quadros da narrativa. 

Sem o apoio de uma língua que o dicionário dá a ver, mas que a linguagem corporal e cénica alude, evocam-se momentos desnorteantes que definiram as partidas premeditadas de alguns. Nos corpos silenciosos das figuras encenadas, ressoam os inúmeros abandonos forçados de quem teve de partir para longe da família para assegurar a sua solitária existência num outro lugar.

Convidado a sentir, ou a interpretar sem texto, as cicatrizes da solidão humana e a tumultuosa interioridade de dois corpos perseguidos ou amedrontados por silhuetas inóspitas, o público, no não-lugar do teatro, tem a possibilidade de não suportar a espera(nça) muda e a lenta solidão que o silêncio encobre. Mas, com o que não é dito e está à vista, poderá conseguir fazer um origami. 

A conceção plástica do espetáculo explora a materialidade do papel em si, aludindo também às características do papel do ser humano. Suportando-se na sua maleabilidade, flexibilidade e fragilidade, a cenografia evidencia a capacidade de se criar uma variedade de texturas, transparências, oclusões, molduras, recortes e formas animadas que sugerem uma relação direta com o imaginário e a humanidade presentes no livro de Shaun Tan.

FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA

Direção/Encenação: Tiago de Faria
Elenco: Alice Coelho e Marta Almeida
Desenho de luz: Paulo Neto (ACERT Tondela) e Tiago de Faria
Operação de Luz: Melânia Ramos
Cenografia e adereços: Miguel Amado e Teresa Negrão
Música original: João Fragoso
Sonoplastia: Tiago de Faria e João Fragoso
Dramaturgia: Alice Coelho, Angel Romero, Cristian Figueroa, Eduardo Gama, Fernanda Furtado, Giovanna Paiano, João Fragoso, Marta Almeida, Melânia Ramos, Mohsin Aldakhi, Rahul Reddy, Ruana Carolina Corrêa, Salome Chinhere Anukem, Tiago de Faria, Valeria Pérez de León
Produção: Melânia Ramos, Ruana Carolina Corrêa e Tiago de Faria
Comunicação e assessoria de imprensa: Eduardo Quinhones Hall e Levina Valentim
Assistência de produção: Lu de Miranda, Catarina Godinho e Inês Lemos
Edição de vídeos: Georgiana Surugiu

Espetáculo co-financiado pela República Portuguesa / Direção-Geral das Artes
Apoios: António Leitão, Companhia Olga Roriz, Escola de Mulheres, ACERT Tondela
Largo Residências, Lisbon Project, Casa do Moleiro Turismo Rural Douro,
Monte D. Manuel, Kalandraka
Parcerias de divulgação: Antena 2, Buala, Coffeepaste e Gerador